Genes de plantas recém descobertos podem reduzir o custo da produção de um importante medicamento contra o câncer.
Dr. J.R. de Almeida
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Editora Priscila M. S. Gomes
Poucos compostos sintetizados pela natureza têm uma trajetória tão notável quanto o paclitaxel, amplamente conhecido como Taxol. Utilizado no tratamento de diversos tipos de câncer incluindo mama, ovário e pulmão, esse diterpenoide complexo representa não apenas um marco terapêutico, mas também um desafio biotecnológico. Produzi-lo em larga escala ainda é uma tarefa cara, demorada e ecologicamente delicada.
O obstáculo começa na própria origem do composto: as agulhas do teixo inglês (Taxus baccata). A partir delas, extrai-se a baccatina III, um precursor essencial na síntese do paclitaxel. Essa extração, somada às etapas subsequentes de modificação química, torna o processo oneroso e dependente de uma fonte vegetal limitada e de crescimento lento. Foi justamente essa limitação que motivou um grupo de pesquisadores a investigar, com ferramentas de última geração, os mecanismos genéticos envolvidos na biossíntese do paclitaxel nas células do teixo. A grande novidade? A identificação de genes antes desconhecidos que completam a rota biossintética da baccatina III, parte central do caminho metabólico que leva à produção do medicamento.
Utilizando técnicas de transcriptômica de célula única, os cientistas analisaram milhares de células do teixo em condições variadas, incluindo estresses induzidos por sais e elicitores bacterianos estímulos conhecidos por amplificar a resposta metabólica das plantas, inclusive a produção de compostos secundários com função defensiva, como o próprio paclitaxel. Com isso, conseguiram mapear uma via com 17 genes diretamente envolvidos na síntese do precursor. Alguns desses genes eram até então completamente desconhecidos, o que indica que a via metabólica era apenas parcialmente compreendida até agora.
Essa descoberta representa um passo crucial rumo à biossíntese heteróloga do paclitaxel. A partir do momento em que conhecemos todos os genes da via, podemos pensar em estratégias para expressá-los em organismos modelo como leveduras, bactérias ou culturas celulares vegetais otimizadas, permitindo a produção do composto em biorreatores, com maior eficiência, escalabilidade e menor impacto ambiental. Mais do que uma curiosidade científica, esse avanço tem implicações diretas na acessibilidade de tratamentos oncológicos e no custo da saúde pública. Afinal, baratear o paclitaxel significa ampliar o alcance de um fármaco que, em muitos países, ainda é restrito por seu alto preço. A biotecnologia de produtos naturais complexos vive um momento fascinante e ver uma árvore milenar, símbolo de silêncio e contemplação, tornar-se aliada da medicina moderna, é um lembrete de que o futuro da saúde pode estar enraizado no passado evolutivo da flora.
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